SETORIAL NACIONAL DE SAÚDE DO PSOL na 17a Conferência Nacional de Saúde 2023

A SAÚDE DO TAMANHO DO POVO BRASILEIRO!
SAÚDE, DEMOCRACIA E SOCIALISMO


É tarefa histórica da 17a Conferência Nacional de Saúde a construção de um movimento para a
defesa da saúde e do SUS orientados para as necessidades da classe trabalhadora
O Brasil atravessa já há muitos anos um cenário de contínuo endurecimento e consolidação da agenda neoliberal. Esse quadro se agrava a partir do golpe de 2016, com a escalada do neoconservadorismo e a ascensão do bolsonarismo. Temos com isso presenciado uma ampla reversão de direitos sociais através do desmonte das políticas públicas, de amplos processos de privatização e mercantilização de instituições e bens públicos, do cerceamento à participação política dos movimentos sociais populares, do retorno do país ao mapa da fome, na reversão dos direitos historicamente conquistados do movimento feminista, LGBTI+, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, da população negra e periférica entre outros retrocessos. Agudizando esse cenário, vivenciamos nos últimos anos uma tragédia humanitária sem precedentes de escala global em consequência da emergência sanitária desencadeada pela COVID-19.

No Brasil a pandemia ganhou contornos de genocídio, diante da condução política do país por bolsonaros, castros, dorias, zemas, pachecos, liras, maias e alcolumbres e tantos outros. Cerca de 700 mil brasileiros morreram e nossas crônicas desigualdades sociais ampliaram-se ainda mais, pois os mais pobres foram os mais atingidos por essa calamidade.
No âmbito do SUS e do direito à saúde, as forças econômicas e políticas que encabeçam o projeto neoliberal nos legaram um conjunto de contrarreformas e políticas regressivas – das quais a emenda constitucional 95 é uma de suas principais concretizações por implementar um teto para gastos sociais – que têm provocado o desfinanciamento e o desmonte de um enorme elenco de políticas de saúde historicamente conquistadas pela população. Destacamos entre vários exemplos de retrocessos: i) regressão na Política Nacional de Atenção Básica, através de mudanças no modelo de financiamento e gestão, na transformação do modelo técnico assistencial e dos processos de organização do trabalho; ii) fortalecimento de posturas anticientíficas e negacionistas no campo da saúde; iii) ampliação da privatização de sistemas e serviços de saúde, com adoção de novos dispositivos como a ADAPS (Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde); iv) a saúde indígena sofreu constantes ataques, como a tentativa de municipalização do Subsistema de Saúde Indígena; v) fomento de processos de remanicomialização no âmbito da política de saúde mental, sobretudo pelo incremento e financiamento das chamadas comunidades terapêuticas; vi) fragilização
do processo de participação social em saúde; vii) amplos recuos nas conquistas provindas das lutas e nas políticas de saúde das mulheres, na saúde da população LGBTI+, na saúde da população negra e quilombola etc.

O Movimento da Reforma Sanitária e os militantes que atuam em defesa do SUS e contra a
privatização e mercantilização da saúde têm batalhado e resistido a esse projeto neoliberal e
neofascista para a saúde. Neste contexto, o processo eleitoral de 2022 foi extremamente importante para rearrumar as forças políticas e as trincheiras de luta. Sabemos, porém, que não é pela via do reformismo, e nem apenas pela ampliação das vias democráticas institucionais que movimentaremos as estruturas, mas sim através de um projeto socialista concreto, emancipador. O que presenciamos, apesar da eleição da frente em torno de Lula, é o bolsonarismo se mantendo enraizado na sociedade; o congresso nacional eleito sendo o mais conservador desde a ditadura civil militar brasileira; e o agronegócio, os rentistas da Faria Lima e as demais frações do capital atuando para emparedar o governo eleito e impor suas pautas. Temos acompanhado novas pautas contrárias às necessidades da classe trabalhadora, como o debate sobre o novo arcabouço fiscal proposto pelo Governo Lula – e piorado ainda mais no Congresso – que mantém a racionalidade de austeridade fiscal no âmbito da política econômica, com impactos no financiamento das políticas de saúde; os ataques aos Ministérios e às pautas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas; à tramitação da proposta de estabelecer um Marco Temporal na demarcação de terras indígenas.

Este grave e dramático cenário provoca a todos que constroem o SUS e lutam por uma nova sociedade que assegure a cada um de acordo com suas necessidades. A 17a Conferência Nacional de Saúde se insere nestes marcos políticos e históricos.

É tarefa histórica de cada participante da 17a se pautar por proposições e alternativas coerentes e objetivas que modifiquem a materialidade das condições de produção de vida, bem estar e saúde na estrutura da sociedade. É preciso ter como horizonte a constituição da hegemonia dos interesses da classe trabalhadora, e como centro das lutas a construção de um SUS maior, 100% público, estatal, descentralizado, intersetorial, interseccionalizado por questões de classe, gênero, raça/etnia e território, bem como a luta por melhores condições de vida e trabalho para toda a população brasileira. Os tempos exigem dos lutadores do SUS uma participação ativa, emancipatória, que confronte a ordem do capital e seus processos alienantes. É imperativo também considerar que a saúde vai bem mais além do acesso a serviços e à organização de um sistema de saúde. Ela é resultante dos processos econômicos, sociais, culturais, históricos, políticos e subjetivos que impactam o cotidiano de cada trabalhadora e trabalhador, como: as condições de moradia, como nas favelas, periferias, ocupações, aldeias, quilombos, assentamentos, comunidades rurais e acampamentos; o sistema de mobilidade urbana e de deslocamento entre casa, trabalho e lazer; as condições econômicas e direitos trabalhistas, o nível de empregabilidade, de salário e renda das trabalhadoras e trabalhadores; o direito e acesso ao lazer; as diversas formas de violência tais quais a policial, homicídios, gênero e raça/etnia, acidentes de trânsito e de trabalho; o acesso à educação pública e de qualidade; as implicações estruturais de desigualdade relativas a gênero, orientação sexual, identidade de gênero, bem como de raça/etnia e território; a segurança alimentar e nutricional; o acesso à água e ao saneamento básico, entre outras dimensões da vida social.

Sendo assim, as formulações e propostas da 17a precisam apontar para o enfrentamento de cada uma destas dimensões, fundamentais para garantir condições dignas de vida para toda a população, e para superação do modo de produção capitalista.

O SUS é um legado das lutas pela construção de um sistema de saúde público e ampliado, articulado com a busca das mudanças que revertam a estrutura social e econômica capitalista que suga a vida da classe trabalhadora e é produtora de adoecimento e mal estar.

A luta pela vida e pela saúde pode assim ser sintetizada na consigna “saúde, democracia e socialismo”!


PROPOSTAS DO SETORIAL DE SAÚDE DO PSOL PARA A 17a CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, ORIUNDAS DA CONFERÊNCIA NACIONAL LIVRE “A SAÚDE DO TAMANHO DO POVO BRASILEIRO!”

Eixo temático: “Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia”
Diretriz: A saúde do tamanho do povo brasileiro: com alternativas coerentes
e objetivas em meio à totalidade de um programa de transição socialista
como projeto para o país, com acessibilidade ampliada e qualificada;
financiamento adequado; políticas produtivas e de ciência, tecnologia e
inovação em saúde orientadas pelas necessidades sociais da classe
trabalhadora em todas suas especificidades; articulação intersetorial
concreta, com o SUS como política de Estado, 100% público e estatal, e
proteção e defesa irrestritas do meio ambiente.


1) SUS ENQUANTO POLÍTICA DE ESTADO, 100% PÚBLICO E ESTATAL: A LUTA PELA SAÚDE COMO DIREITO DE TODA A GENTE

Criar incentivos específicos a estados e municípios onde a contratação de trabalhadores,
bem como a gestão, seguem modelos privatizados ou orientados pelo direito privado,
passem a implementar planos de transição para um sistema de gestão totalmente pública,
direta, com reincorporação progressiva dos serviços públicos administrados por terceiros e
gradual encerramento de todas as formas de privatização e terceirização da saúde. E deste
modo, evitar o processo de desorganização e descontinuidade dos serviços, e garantir a
proteção às trabalhadoras e trabalhadores contratados por essas empresas. Em
complemento, revogar as leis que criam os diversos modelos de gestão privatizantes do
Estado brasileiro, bem como a reforma trabalhista, que previu diversas formas de
contratação de força de trabalho precarizantes e ultrajantes da condição humana, como a
pejotização e a uberização, que vêm sendo amplamente utilizadas pelas empresas
contratadas pelo Estado brasileiro, incluindo prefeituras e estados.

2) AMPLIAR E QUALIFICAR O ACESSO À SAÚDE

Desenvolver um Plano de Ação com apoio de instituições públicas e movimentos sociais
que contemple estratégias para a efetiva implementação das políticas de equidade e de
cuidado integral: da população negra; LGBTI+; das pessoas com deficiência; dos povos do
campo, floresta e das águas; das populações tradicionais ou historicamente
marginalizadas, como indígenas, caiçaras, quilombolas, ciganos; nas periferias, favelas,
ocupações urbanas e população sem-teto; das populações migrantes e refugiadas; da
população privada de liberdade; dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais; dos
adolescentes em conflito com a lei, entre outras populações vulnerabilizadas e
negligenciadas, buscando o fortalecimento da prática de equidade e integralidade na
gestão e na prestação dos serviços públicos, e o rompimento com modelos de organização
da saúde que legitimam uma sociedade voltada para a reprodução de processos de
exploração do trabalho e de subjugação aos interesses do capital.

3) FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Suspender a anistia das dívidas de planos e operadoras de saúde, assim como a garantir
100% do ressarcimento ao SUS, inclusive retroativo, por atendimentos realizados em seus
serviços a beneficiários de planos e seguros de saúde; buscar mecanismos que evitem ou
diminuam o uso da justiça pelas operadoras de planos privados de saúde para judicializar a
cobrança de suas dívidas para com o setor saúde, postergando o pagamento dos débitos.
Assim como também extinguir gradativamente as renúncias fiscais para Hospitais
Filantrópicos, Indústria Farmacêutica e os subsídios para operadoras de planos privados e
seguros de saúde, tendo como horizonte o fim de todo tipo de subsídio público direto ou
indireto ao setor privado na saúde incluindo também o fim do dinheiro público indo para
as comunidades terapêuticas.

4)SOBERANIA DO SUS: POR NOVAS POLÍTICAS PRODUTIVA E DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE ORIENTADAS PELAS NECESSIDADES SOCIAIS DA CLASSE TRABALHADORA.

Tornar 100% público todo o ciclo de inovação e produção de medicamentos, vacinas,
insumos, serviços, soluções e tecnologias para a saúde, visando ampliar o acesso a todos
os produtos necessários para a saúde da população brasileira e a garantia de maior
autonomia e suficiência do Estado frente ao mercado, buscando superar a crônica
dependência e subordinação ao setor privado nacional e, principalmente, internacional.
Nesse sentido, é imperativo instituir programas e políticas de indução e incentivo à
pesquisa, sobretudo a produtos mais diretamente vinculados à carga de doenças da
população brasileira e às doenças negligenciadas pelo capital, valorizando saberes e
tecnologias tradicionais e associadas à biodiversidade brasileira. Assegurar que o acesso
final do conhecimento seja livre, aberto e de domínio público, autônomo e protegido dos
interesses do setor privado, bem como que as tecnologias desenvolvidas sejam
direcionadas para o acesso universal e público aos usuários do SUS. Implementar ações de
tecnologia da informação e comunicação para a melhoria da atenção à saúde, aos
profissionais e gestores que deverão ser capacitados e sensibilizados para utilizá-las
adequadamente, junto aos usuários.

4) A DEFESA DO MEIO AMBIENTE E A GARANTIA DE SAÚDE

Fiscalizar os grandes empreendimentos e indústrias para controle da poluição atmosférica,
hídrica, sonora, dos solos e alimentos, e também desenvolver articulação intersetorial para
mapear: locais de moradia, territórios vulnerabilizados a desastres ambientais e climáticos,
locais com grande atividade industrial com emissão de efluentes, locais possíveis
de inundações, áreas com presença de mineração e contaminação por metais pesados.
Nesse sentido, é preciso propor e implementar políticas de combate ao racismo ambiental
em suas diversas dimensões; e de “prevenção”, mitigação e/ou reparação de danos;
promover o fortalecimento da estrutura, integração e ações de vigilância em saúde e
redução da subnotificação de casos de agravos e doenças, incluindo aqueles resultantes de
situações decorrentes questões ambientais, incluindo acidentes de trabalho e intoxicações
exógenas. No tripé ambiente – homem – animal incluir políticas públicas de rede proteção
animal para seres vivos em vulnerabilidade, animais em extinção, fim do tráfico de animais
silvestres e da caça ilegal.

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Sai o negacionismo, entra a ciência e a luta pela defesa do Sistema Único de Saúde!

Foi com grande alegria que recebemos a notícia da indicação da Dra. Nísia Trindade, Presidenta da FIOCRUZ, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo de Ministra da Saúde do Brasil.

O país tem vivenciado desde 2016, aprofundado no período de 2019-2022, o fortalecimento do neofascismo, ultraneoliberalismo e da agenda neoconservadora. Os retrocessos do Governo Bolsonaro-Mourão incidiram em todos os setores e, mais sensivelmente, no Meio Ambiente, Assistência Social, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação e Saúde, tendo nesta última a sua face mais cruel – a perda das vidas de brasileiras e brasileiros!

No campo da Saúde, o neoliberalismo se refletiu em cortes aprofundados no financiamento do SUS, ampliação dos processos de privatização e terceirização, além de ataques a políticas de saúde historicamente conquistadas, principalmente às que atendem populações em situação de maior vulnerabilidade social: mulheres, população negra, indígena, LGBTQIAP+, população em situação de rua, pessoas com deficiência, população do campo, quilombolas, ribeirinhos, entre outras.

A piora nas condições de vida das pessoas, os desmontes e retrocessos não foram frutos da pandemia de Covid-19, mas sim desnudados; resultado de um governo que atuou cotidianamente pelo extermínio da população brasileira, aprofundando as iniquidades. Citam-se, como exemplos: os ataques frontais às políticas de Atenção Básica, Saúde Mental, Gestão do Trabalho e Educação na Saúde; o desmantelo da Política Nacional de Imunização (PNI), além de inviabilização da participação social e dos desmontes da rede federal do Rio de Janeiro e da Farmácia Popular.

Saudamos o retorno à defesa de que saúde é democracia e democracia é saúde, além da retomada do diálogo com a sociedade. O Ministério da Saúde e as políticas de saúde precisam ser reconstruídas e não serão tarefas fáceis.

Defendemos que o Ministério da Saúde seja espaço de reverberação das necessidades e anseios da classe trabalhadora; que ouça as vozes do conjunto de atrizes e atores que vivem, constroem, discutem e deliberam a política: trabalhadoras e trabalhadores da saúde; movimentos sociais populares; pesquisadoras e pesquisadores; conselheiras e conselheiros de saúde e gestões municipais e estaduais; orientado pelo ideário do movimento da Reforma Sanitária como instrumento de combate às desigualdades sociais em saúde e desenvolvimento das políticas nacionais de Saúde, sendo concretamente voltadas às demandas de toda a população.

Setorial Nacional de Saúde PSOL

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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: A SAÚDE E O SUS COMO POLÍTICAS E SOBERANIA POPULAR

O controle social e a participação popular estão na origem, na forma de atuação e na estrutura do Sistema Único de Saúde. A participação popular foi concebida na reforma sanitária brasileira como mecanismo de controle pela sociedade tanto da gestão do SUS, quanto da política de saúde.
Cabe trazer que o termo controle social tem concepções diferentes, a partir dos diferentes entendimentos acerca do Estado e da sociedade civil, sendo visto, historicamente, como mecanismo de controle estatal que disciplina a sociedade e submete indivíduos à ordem social autoritária e clientelista estabelecida. No entanto, considerando o marco da participação popular, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, e todo seu processo de mobilização e construção, concebe-se que o controle social do SUS só faz sentido com o povo incidindo diretamente na política pública, não só como diretriz, mas como estrutura.
Portanto, é urgente (re)colocarmos o poder popular no centro das decisões e da agenda de políticas do governo. Além disso, é importante considerar a condição histórica e estrutural de desigualdades no Brasil, que exclui dos processos decisórios, sistemática e principalmente, a participação das frações mais vulnerabilizadas da população.
Nesse sentido, é necessária e imprescindível a construção da crítica ao controle social, que traz hegemonicamente em seu bojo a convergência entre as agendas liberais e democráticas, e a submissão à ordem do capital fruto de processos históricos que perpassaram – perpassam – a concepção dos processos democratizantes no país. Isso faz com que a operacionalidade das experiências concretas, sobretudo as decorrentes das modificações constitucionais de 1988, sejam muitas vezes fragilizadas, burocratizadas, ou capturadas pelas forças que resistem à ocupação popular dos espaços de debate, fiscalização e formulação de políticas. As dificuldades em estabelecer plenamente as diversas expressões de controle social nos últimos 30 anos – conselhos, foruns, conferências etc – não podem nos levar a desconsiderar sua importância e potência, nem desprezar o papel de resistência e lutas que muitos desses espaços conseguiu exercer em muitos momentos e nas mais diversas políticas setoriais, como foi o caso da atuação do Conselho Nacional de Saúde em tantas situações de ataque ao SUS.
Coloca-se então em questão, nessa perspectiva, a expressão do controle social em projetos societários antagônicos: o contrareformismo neoliberal versus a defesa de um projeto socialista que tenha no fortalecimento das liberdades democráticas um dos seus pilares. Apontamos, como um imperativo, o controle social na perspectiva da participação ativa, emancipatória, que confronte a ordem do capital e seus processos alienantes.
Assim, defendemos a retomada de uma política afirmativa pelo controle social e pela construção do poder popular, assentada na autonomia, respeito e junto às bases da sociedade organizada e dos movimentos sociais e populares, buscando enfrentar o caráter muitas vezes limitante de atuação dos conselhos de saúde e conferências de saúde. Que estes espaços deixem de ceder aos interesses governamentais e puramente corporativos que eclipsam a participação popular, o que convoca à necessidade da defesa radical de propostas vinculadas às demandas da classe trabalhadora.
É urgente avançar na ampliação de espaços populares como forma de garantir que as políticas de saúde atendam às necessidades materiais da classe trabalhadora, rejeitando as iniciativas da classe dirigente e ligada ao capital de mercantilização da vida e de focalização do direito e dos serviços. E que tenham potência para definir as ações no campo da atenção à saúde, em todos os seus níveis, da promoção da saúde, vigilância em saúde e nas ações socioambientais nos seus territórios. Sabemos que não é pela via do reformismo, e nem apenas pela ampliação das vias democráticas institucionais de participação que movimentaremos as estruturas, mas sim através de um projeto socialista concreto, emancipador. Entretanto, essa transição se dá em ato constante e permanente, por meio organizativo da classe trabalhadora como ofensiva estratégica para além do projeto do capital.
PROPOSTAS:
-Democratizar a gestão das políticas públicas de saúde, incentivando a criação de conselhos gestores em cada espaço assistencial-organizativo do SUS, com eleições diretas realizadas entre os trabalhadores e usuários de cada unidade;
-Criação de colegiados de gestão, garantindo a participação dos trabalhadores e usuárias e usuários;
-Fortalecer a participação popular no SUS por meio do revigoramento das instâncias de controle social – Conferências e Conselhos – como referência de deliberação de políticas de saúde, com planejamentos participativos e transparência de gestão, e da expansão da base social do SUS pela ampliação da articulação do SUS com as demais lutas populares de corte classista, antirracista, antilgbtfóbica, antipatriarcal, anticapitalista, anticapacitista, agrária, urbana entre outras frentes de luta;
-Fortalecer a democracia, a participação popular e controle social no SUS, através de Conferências e Conselhos, como referência de deliberação de políticas de saúde, com planejamentos participativo, transparencia de gestão, ampliação da base social de defesa do SUS, articulado com as demais lutas populares.
-Estimular apoio a um sistema nacional de democracia direta composto por conselhos setoriais (educação, saúde, cultura, transporte, moradia); formas organizativas cidadãs, cooperadas e locais da vida coletiva / comum, também é necessária a garantia de criação de conselhos, com participação popular, nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário; incluindo o planejamento orçamentário específico de cada poder e do orçamento geral da União;
-Garantir o direito de livre manifestação e de atuação dos movimentos sociais populares, com supressão de todas as formas e instrumentos do estado de criminalização e repressão às lutas populares;
-Garantir o papel constitucional do Estado de proteção, prevenção e promoção da saúde por meio da execução das ações de vigilância em saúde para regular, investigar, monitorar e fiscalizar o que envolve a saúde humana e ambiental, com reconhecimento às dinâmicas dos territórios e saberes do cotidiano de populações vulnerabilizadas, originárias, tradicionais, do campo, água e florestas, de modo a concretizar uma vigilância participativa e popular;
-Direcionar a saúde em todas as políticas! Todas as políticas setoriais devem ter como diretrizes a promoção do bem-viver e da saúde coletiva: políticas públicas de transporte e mobilidade que enfrentem o desgaste da classe trabalhadora nos trajetos entre casa e trabalho e não contribuam para a poluição atmosférica; políticas habitacionais devem garantir a moradia digna e plenas condições de vida das famílias em seus territórios; desse mesmo modo, creches, saneamento, energia, e qualquer outra política pública deve obedecer critérios de saúde pública;
-Reativar todos os dispositivos de participação social, extintos ou reduzidos pelos governos, assegurando ampla participação da sociedade civil, tais como: Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI); Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA); Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), entre outros;
-Fortalecer o Subsistema de Saúde Indígena (SESAI/SUS), bem como implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGTI);
-Estabelecer a formação da juventude para a participação ativa e formulação de políticas em espaços de participação social, como as Conferências Nacionais Infanto-Juvenis pelo Meio Ambiente.




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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: SAÚDE DA TRABALHADORA E DO TRABALHADOR: ATENÇÃO INTEGRAL, DIGNIDADE E PROTEÇÃO

É necessário avançar na compreensão dentro de nosso sistema de saúde a respeito da centralidade do trabalho nas determinações dos processos de saúde-doença. Quando é afirmado que a saúde e as condições de vida de uma população são socialmente determinadas, isso naturalmente está relacionado a uma série de fatores, porém o lugar que esse sujeito ocupa em nosso modo de produção é peça chave para entender essas várias determinações.
Destaca-se que, no capitalismo, a alienação e exploração da classe trabalhadora, a precarização dos vínculos e a retirada de direitos alimenta e impulsiona o sistema. A apropriação dos meios de produção pela classe trabalhadora deve ser o horizonte a ser buscado, por meio da compreensão técnico-científica, dos processos de produção, com vias à conformação de uma nova ordem social sob a égide de um projeto de classe, tanto no âmbito material, como no simbólico.
Nesse sentido, considerando o sistema vigente, há muitos desafios a serem enfrentados e limites impostos. As condições de trabalho no Brasil seguem sendo profundamente adoecedoras. Entre 2002 e 2020, 49.350 brasileiros reconhecidamente morreram trabalhando no setor formal. Apenas em 2021, foram realizadas 571,8 mil comunicações de acidente de trabalho. Esses dados se tornam ainda mais estarrecedores na medida em que consideramos o quão subnotificados são esses acidentes, seja pela resistência do setor privado e da previdência em reconhecer o vínculo com o trabalho, seja pela informalidade crescente no país.
As condições e vínculos de trabalho sofrem um ataque global com o processo de reestruturação produtiva do capital. Sob um discurso de aumentar a “flexibilidade” e a “produtividade”, conquistas históricas na legislação de diversos países enfrentam retrocessos. Através dos últimos governos vemos o Brasil marchando na mesma direção, com as contrarreformas previdenciária e trabalhista removendo garantias e o aumento do número de vínculos informais e uberizados (atualmente praticamente metade do contingente de trabalho). A consequência é uma maior penosidade do trabalho em um cenário que já era alarmante, maiores jornadas, maior carga de trabalho, demissões sem direitos e práticas de humilhação e assédio se intensificam.

Soma-se a isso o enfraquecimento dos laços de solidariedade e resistência dentro da classe trabalhadora, principalmente entre a população negra e periférica, que agoniza entre o morrer de fome, de bala ou, mais recentemente, de covid-19. Os retrocessos advindos das novas formas de trabalho se traduzem também no enfraquecimento e desarticulação do movimento sindical, historicamente um ator fundamental na formulação e implementação de políticas que protejam os trabalhadores dos agravos do trabalho.
No SUS, apesar da saúde do trabalhador e da trabalhadora ter sido incluída em alguns artigos da lei 8080, persistiu a desvinculação herdada da época do INAMPS entre os órgãos que assistem os trabalhadores e os demais serviços da rede pública. Assim é que diversas ações de promoção e prevenção, quanto de recuperação e reabilitação são providos por ou estão sob o controle de outro ministério – o do Trabalho e Previdência, ou até mesmo pelo setor privado, por intermédio dos Serviços Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT, além dos serviços mantidos pelos sindicatos muitas vezes via contrato com planos privados de saúde. Cenário que inclusive prejudica a coleta de informações adequadas sobre o número de adoecimentos relacionados ao trabalho, devido a ausência de um sistema de informações integrado que centralize todas as notificações encaminhadas aos diferentes ministérios.
Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST, equipamentos do SUS potentes de assistência e vigilância oriundos da luta sindical, são com frequência sucateados pelo poder público, atingindo apenas uma pequena parte dessa demanda.
Quando o trabalhador mais necessita, ao adoecer ou sofrer acidente de trabalho, com exceção do primeiro momento de atendimento na urgência/emergência, a continuidade da assistência com frequência escapa ao SUS. Não há qualquer articulação com as equipes da Atenção Básica, com os pronto socorros ou com as UPAS (estes últimos são os serviços mais frequentados pelos trabalhadores), e muito menos com os serviços especializados ou hospitalares do SUS. Para superar a subnotificação dos acidentes de trabalho e articular ações potentes de vigilância e transformação do trabalho, é necessário que esses serviços sejam capacitados para atender a essa demanda e intervir de forma qualificada frente a ela.
Outra questão que precisa ser enfrentada, é a enorme dificuldade que os trabalhadores encontram para ter acesso aos seus direitos previdenciários quando adoecem. As sucessivas operações de “pente-fino”, iniciadas notadamente desde o governo Temer, nas quais os que dependem da Previdência têm sido convocados e submetidos a um escrutínio rigoroso visando cassação dos benefícios, têm passado ao largo dos serviços do SUS que, no máximo, podem encaminhar os trabalhadores com laudos que frequentemente são desconsiderados pelos peritos. As equipes que executam as perícias médicas permaneceram na Previdência Social e no governo Bolsonaro foram transferidas para o Ministério da Economia, aliado ao enfraquecimento da perícia multiprofissional; portanto, é urgente articular as ações executadas por todas essas instâncias ao SUS.
Para começarmos a superar esse cenário, é necessário impulsionar a regionalização dos CERESTs, algo que deverá requerer maior financiamento, implantação de novas unidades onde necessário, reativação e fortalecimento das equipes dos centros existentes. Esses devem cumprir um papel coordenador de uma rede de serviços, que precisará ser constituída através da formação dos profissionais da rede, contratação de especialistas e organização de fluxos efetivos de notificação nos serviços.

PROPOSTAS:
-Revogar as contrarreformas previdenciária e trabalhista vigentes;
-Promover a implantação concreta da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora (PNSTT) no SUS, de forma intersetorial, junto à reversão das mudanças promovidas pelos governos temer-bolsonaro nas NRs, que prejudicam a classe trabalhadora, além da rearticulação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – RENAST, com envolvimento das diferentes instâncias (Ministérios, Secretarias) e equipes de perícia multiprofissional;
-Integrar diferentes dados e fluxos de notificação em um único sistema de informação, que amplie e qualifique a coleta existente;
-Qualificar os CERESTs com ampliação e/ou reativação de unidades, garantia de contratação, por meio de concurso público, de equipes multiprofissionais e garantia do financiamento necessário;
-Articular com e capacitar a força de trabalho nas UPAS, PS, UBS, CAPS, CER, CEO e demais serviços especializados, bem como as equipes dos hospitais para que ajam como sentinelas dos acidentes e das doenças ocasionadas pelo trabalho, acompanhando e avaliando as ações periodicamente;
-Implementar Plano de Atenção Integral às vítimas de desastres naturais e situações de emergência, com garantia de recurso financeiro, medidas de redução de riscos, preparação e resposta do setor saúde à cada ameaça, avaliação de danos e identificação de necessidades (moradia, atenção psicossocial, garantia de renda etc), articulação intersetorial, além de resposta e recuperação pós-desastre;
-Implementar medidas protetivas aos trabalhadores e atingidos de tragédias criminosas, como as ocorridas nas barragens de Brumadinho e Mariana, e monitoramento participativo de grandes empreendimentos e das consequências de desastres ambientais;
-Implantação de políticas voltadas para a atenção psicossocial e saúde mental de trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para os profissionais informais, com deficiência, principalmente da saúde, educação, assistência social, mineração e segurança pública – que atuam diretamente com a violência urbana e conflitos armados -, e saúde indígena – que atuam em condições extremas e territórios isolados, articulando ações individuais e coletivas de proteção, promoção, prevenção, de vigilância dos ambientes, processos de trabalho, e de intervenção sobre os fatores determinantes da saúde;
-Implementar medidas voltadas para a diminuição da morbimortalidade decorrente da exposição aos agrotóxicos e outras substâncias nocivas à saúde dos trabalhadores expostos, como o amianto e o benzeno;
-Assegurar o acesso universal à seguridade social – saúde, assistência social e Previdência Social – pública e de qualidade para todos, independentemente do tipo de vínculo de trabalho, estendido aos órfãos, viúvas e trabalhadores com sequelas em decorrência da Covid-19;
-Viabilizar fontes sustentáveis de financiamento, entre elas o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União), sobre o orçamento da Seguridade Social.


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CONTRIBUIÇÃO PARA AS ELEIÇÕES 2022: SUS 100% PÚBLICO.

A luta pela saúde como direito de toda a gente e como marco civilizatório sempre esteve do lado oposto um projeto privatista, de integração e subordinação do setor nacional ao mercado global e financeirizado. A síntese dessa expressão da luta de classes se expressou nos últimos 30 anos em contínuas flexibilizações dos preceitos seminais da reforma sanitária, e em distintas formas de privatização.
Nos períodos mais recentes a submissão do setor saúde ao mercado vem sendo aprofundada, ancorada em uma nova e fortalecida conformação das bases políticas e econômicas do projeto privatista. Isso se expressa em diversas dimensões das políticas de saúde nacionais.
– Vemos o recrudescimento da segmentação e estratificação social no acesso a serviços sanitários, com a parcela da população mais desfavorecida e vulnerável aderida ao acesso público pelo SUS, e outros segmentos “consumindo” saúde pela capacidade individual ou familiar de renda e de pagamento de planos de saúde ou serviços privados. A prestação do cuidado quando baseada nas leis do mercado gera iniquidades e é ineficiente na produção da saúde em sua concepção ampliada, pois para aumentar a lucratividade, as empresas priorizam a população mais saudável, deixando expostos grupos cuja atenção demandam altos custos, como é o caso dos idosos, pacientes de câncer e de doenças raras. A maior parte da população que usa planos de saúde paga caro, tem cobertura restrita e de baixa qualidade, e sofre com reajustes abusivos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável institucional por regular o mercado de planos e seguros de saúde, tem na maioria de seus quadros diretivos personagens advindos do mercado, tendo sido assim capturada pelos grupos privados de saúde, por quem atua para garantir seus lucros e expansão em detrimento flagrante do interesse público.
Há uma ampliação da dependência tecnológica e fragilização da capacidade estatal e mesmo nacional de provisão de bens e produtos sanitários. A balança comercial da saúde é cada vez mais deficitária, mesmo após as iniciativas da última década e meia de desenvolver e produzir produtos em solo nacional. Isso ocorre por múltiplos motivos, começando pela pouca disponibilidade no Brasil dos insumos básicos e equipamentos necessários ao setor produtivo, sendo preciso que sejam em enorme parte importados. Também constata-se uma crônica insuficiência institucional, pública e privada, para inovação e desenvolvimento de produtos e tecnologias. Por fim, poucos produtos de maior valor agregado são produzidos em território nacional, e menos ainda em instalações públicas, situação esta condicionada em boa medida pelos acordos de proteção de propriedade intelectual (patentes). Deste modo, a assimetria global de acesso a produtos em saúde é cada vez maior, afetando sobremaneira a soberania sanitária nacional do Brasil e demais países periféricos.
O empresariamento da saúde tem tido um crescimento contínuo e exponencial, avançando em velocidade e em escala. Este exemplo e diversificado, é evidenciado no âmbito do SUS por meio de diversas formas. É o caso da adoção epidêmica de modelos gerenciais para provisão de serviços e contratação de força de trabalho. Há todo um arcabouço legal do estado – como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Desvinculação dos Recursos da União (DRU), e as diversas facetas das políticas econômicas que impõem um quadro de restrição orçamentária – que estimula, determina e condiciona a adoção de modelos de gestão sob a lógica privada, onde as Organizações Sociais (OSs) são sua forma mais visível e adotada. Porém, não há evidências de que as OSs tenham resolvido o problema da eficiência na utilização dos recursos públicos e de maior qualidade na prestação de serviços. Ao contrário: sua adoção generalizada implicou em precarização do trabalho, drenagem de enormes volumes de recursos públicos e fragmentação ainda maior do sistema de saúde. Com isso, a capacidade da gestão pública fica cada vez mais enfraquecida, limitada e inviabilizada pela falta de recursos e pelas regras de contratação de pessoal e aquisição de insumos. Os baixos salários, a concorrência com o setor privado, os múltiplos vínculos, os contratos temporários precários e as péssimas condições de trabalho dificultam a fixação de profissionais no SUS.
O empresariamento da saúde também se apresenta, e de modo mais estrutural, através da abertura de novas frentes de acumulação, de financeirização e de comoditização da saúde, seja por meio da expansão do sistema de saúde supletivo (planos de saúde, seguros saúde, cooperativas médicas e os planos odontológicos etc ), como também através de empresas de serviços tecnológicos em saúde, na entrada de investidores estrangeiros, e na concentração de capitais e formação de grandes conglomerados.
Nesse sentido, há uma transmutação em curso na compreensão social do signo da saúde e de toda sua institucionalidade, onde a inscrição social da saúde como direito social tem sido substituída pela saúde como mercadoria e objeto de consumo, como espaço de acumulação, de negócios, e de organização e iniciativa privada. Porém, apesar dos discursos corporativos empresariais pelo livre mercado, muitos desses movimentos do capital são suportados por recursos do fundo público, garantidores da consolidação desse cenário.
A pandemia da COVID-19 escancarou essa situação. No momento que a humanidade mais sofria, o acesso universal e igualitário de todos a leitos de internação, de terapia intensiva, a vacinas, testes, máscaras e medicamentos não foi garantido. Quem podia pagar tinha acesso mais facilitado a internações e tecnologias, e mesmo diante das campanhas populares Vidas Iguais e Leitos Para Todos, os governos não admitiram a possibilidade de regulação única e universal do acesso ao conjunto de leitos públicos e privados disponíveis para o cuidado à COVID-19. A dependência tecnológica levou o sistema de saúde nacional a não ter disponível de tudo um pouco, de equipamentos de ventilação mecânica a simples insumos como máscaras e equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde. E a demonstração mais seca e dura da atual submissão da saúde às leis de mercado foi que, em pleno período de pandemia, com desaquecimento da economia e aumento do desemprego e da fome, houve crescimento recorde de lucros das grandes empresas da saúde, e ampla entrada de seus empresários na lista de bilionários do mundo.
A defesa do projeto da saúde como direito impõe uma mudança estrutural e a reversão dessas tendências, com a nitidez de que essas ultrapassam em muito a regulação e reorganização exclusivamente setorial da saúde. As proposições do PSOL para a saúde devem ter como norte a desprivatização do SUS, e um programa de transição setorial que imponha uma imediata subordinação do mercado da saúde às necessidades sociais. Saúde não é mercadoria! Por um SUS 100% público, gratuito, estatal e de qualidade.

PROPOSTAS
– Fortalecer as formas de gestão pública e estatal do SUS e das políticas públicas em geral, baseadas no direito público, na estabilidade dos vínculos trabalhistas e do concurso público, e da forma de propriedade pública, revertendo os atuais processos de privatização do SUS, com a superação dos limites legais e demais gargalos da administração pública direta, superando os modelos de gestão do trabalho e de serviços públicos de saúde privatizantes, empresariais, de pouca transparência, baseados no regime jurídico privado e na contratação por vínculos trabalhistas não-estáveis, como as Organizações Sociais (OSs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), as Fundações Estatais de Direito Privado, empresas públicas voltadas para a gestão social (entre exemplos, a EBSERH), as parcerias público privadas (PPPs), a pjotização e uberização no recrutamento de força de trabalho etc;
– Extinguir estruturas autônomas de intermediação e privatização da assistência pública à saúde dirigidas ou fomentadas pelo Estado, como a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária (ADAPS), através de plano de transição para a gestão pública direta.
– Extinguir a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), devolvendo a administração dos hospitais universitários para as universidades federais, com ampliação do orçamento, forte plano de investimento em estrutura e tecnologias, e abertura de concursos públicos, enfrentando o atual sucateamento daquelas instituições, com implementação de dispositivos que garantam proteção às atuais trabalhadoras e trabalhadores contratados pela empresa;
– Revogar as leis que criam os diversos modelos de gestão privatizantes do Estado brasileiro, e também a reforma trabalhista, que previu diversas formas de contratação de força de trabalho precarizantes e ultrajantes da condição humana, como a pejotização e a uberização, que vêm sendo amplamente utilizadas pelas empresas contratadas pelo Estado brasileiro, incluindo prefeituras e estados;
– Criar incentivos específicos a estados e municípios onde a contratação de trabalhadores e a gestão sigam modelos privatizados ou orientados pelo direito privado, para implementação de planos de transição para um sistema de gestão pública e direta e reincorporação progressiva dos serviços públicos administrados por terceiros e progressivo encerramento de todas as formas de privatização e terceirização da saúde, evitando no processo a desorganização e descontinuidade dos serviços, e garantindo a proteção às trabalhadoras e trabalhadores contratados por essas empresas;
– Desenvolver programa de investimento para ampliação massiva da rede pública de prestação de serviços, visando a redução progressiva da contratação de entes privados, hoje em forte tendência de crescimento, sobretudo na média e alta complexidade, com destaque para serviços hospitalares e de diagnóstico;
– Reestruturar as regras de contratação, convênio e remuneração de hospitais filantrópicos e serviços privados complementares ao SUS, estabelecendo mecanismos de gestão que condicionem o acesso a critérios de qualidade e de não discriminação da clientela SUS e não-SUS (“dupla porta”); b) a concessão de isenções fiscais;
– Extinguir de forma imediata os limites de despesas com pessoal em saúde e demais direitos sociais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a fim de diminuir a pressão orçamentária sobre os municípios e possibilitar a expansão dos serviços de saúde sem terceirizações, e em médio prazo revogar a LRF, substituindo-a por uma Lei de Responsabilidades Sociais, que vincule e submeta a gestão fiscal às necessidades da população para seu bem viver.
– Qualificar a gestão pública direta no bojo de uma Reforma Democrática do Estado, seguindo como previsto no artigo 37 da Constituição Federal, através da profissionalização do corpo técnico de gestores e trabalhadores da gestão, com servidores públicos valorizados e funções de confiança sendo exercidas exclusivamente por ocupantes de cargo efetivo (inciso V); autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos serviços (§ 8º); e radical democratização da gestão, com participação popular nos processos de tomada de decisão e prestação de contas;
– Ampliar o caráter público do SUS através da valorização do serviço público e do servidor público, através da realização de concursos públicos pelo RJU e eliminação progressiva de todas as formas de precarização do trabalho e dos vínculos;
– Suspender a participação no Brasil de investidores financeiros e estrangeiros no capital, e a propriedade cruzada das empresas de planos de saúde, grupos hospitalares e de diagnóstico;
– Eliminar gradativamente os subsídios públicos, isenções fiscais, empréstimos a juros diferenciados, renegociações e anistia de dívidas para o setor privado (planos de saúde, hospitais, prestadores de serviços, indústria farmacêutica e de equipamentos);
– Reverter progressivamente a renúncia tributária com planos de saúde, começando por grandes empresas e trabalhadores e trabalhadoras de renda muito elevada e pela introdução imediata do limite de gasto;
– Desvincular a contratação de planos de saúde ao mercado de trabalho, através de negociação junto ao movimento sindical de propostas de transição para incorporação dos trabalhadores ao SUS universal e de qualidade;
– Reduzir progressivamente o subsídio ou patrocínio estatal de planos de saúde para servidores públicos, iniciando pelos mais privilegiados (judiciário, parlamentares, militares etc, maiores salários), com vistas à extinção;
– Implementar mecanismos para pleno e imediato ressarcimento das operadoras de planos de saúde ao SUS, com agilidade, rigor e como política prioritária da ANS, com auditoria e cobrança das dívidas de planos de saúde com o SUS, decorrentes do histórico de não-ressarcimento e do não pagamento de multas aplicadas pela Agência;
– Integrar e subordinar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e suas atividades regulatórias ao Ministério da Saúde para o fim da captura empresarial, econômica e política da Agência, incluindo a extinção do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), garantindo ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) exercer seu papel de controle social do sistema em sua unicidade;
– Rejeitar todas as iniciativas de mudança da legislação dos planos de saúde orientadas para flexibilizar a regulação e fiscalização do mercado privado, para a criação de novos produtos e modalidades com menor preço e restrições de serviços e cobertura, para o uso de dados dos cidadãos para apoiar a expansão de venda e lucros dos planos privados (“open health”), e outras iniciativas pró-mercado e avessas à saúde dos brasileiros.

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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: CIÊNCIA, TECNOLOGIA E POLÍTICA PRODUTIVA PARA O SUS

Soberania do SUS: por novas políticas produtiva e de ciência, tecnologia e inovação em saúde orientadas pelas necessidades sociais da classe trabalhadora

O fortalecimento da pesquisa científica e tecnológica brasileira é estratégico para o desenvolvimento do Brasil como nação soberana e compromissada com a justiça social e com o atendimento às demandas colocadas pela sociedade. Para isso, a formulação e a implementação de políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) socialmente referenciadas são fundamentais para o desenvolvimento e inclusão social, para a geração de emprego e renda, para o combate à fome, à pobreza, à desigualdade e a tantas outras mazelas sociais, bem como para apoiar e fomentar o crescimento econômico e a construção das bases materiais que nos permita como nação sair da posição de subordinação e dependência em relação aos países de economia central, e da estagnação, se comparados a outros países periféricos que avançaram nesse sentido.
Estão compreendidas dentro da área de CT&I a investigação científica, a geração de conhecimentos, a formação de quadros profissionais, passando pelo desenvolvimento de novas tecnologias, as quais precisam ser testadas para estarem seguras para utilização em larga escala, até por fim, a incorporação desses conhecimentos e tecnologias em produtos, processos e serviços em diversas dimensões da vida social e do nosso dia a dia.
Na perspectiva socialista que defendemos, o desenvolvimento científico e tecnológico deve atender às necessidades sociais da classe trabalhadora, a real produtora das riquezas em nossa sociedade, diferentemente do que acontece no capitalismo, onde este desenvolvimento é orientado à produção daquilo que, preponderantemente, gerará mais lucro. Assim, pensar política e programaticamante a CT&I em saúde sobre uma base socialista, significa desenvolver múltiplos processos que garantam transformações radicais no modo de vida e da sociedade de forma geral – visto que o adoecimento das populações e a produção de saúde são determinados social, econômica e historicamente – bem como o atendimento das reais necessidades sanitárias do povo trabalhador e das demandas específicas relacionadas ao cuidado integral e universal em saúde. Na atual quadra histórica, isso se traduz forçosamente pelo fortalecimento dos laboratórios, universidades e instituições públicas, para que através deles se possa organizar e potencializar a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a inovação, a incorporação de tecnologias ao processo produtivo de insumos, bens e produtos e na organização, métodos e técnicas dos serviços e do sistema de saúde, visando o fortalecimento do SUS.
Não obstante, nos anos 2000 tem sido observado no campo da saúde e da CT&I em saúde brasileiro a criação de um suposto consenso em torno de uma proposição organizativa e conceitual que se convencionou chamar de complexo econômico-industrial da saúde (CEIS). As propostas relativas ao CEIS anunciam a busca da garantia do acesso e da produção de insumos e produtos necessários para o sistema de saúde brasileiro, buscando a autossuficiência nacional, assim como o desenvolvimento de capacidades que assegurem a incorporação nos processos da saúde de novos produtos e tecnologias que respondam às mudanças no perfil epidemiológico e nosológico da população como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico e produtivo de novos fármacos e vacinas ou de novos equipamentos para tratamento e diagnóstico. Essa formulação parte de um correto diagnóstico de que há uma grande dependência nacional de importações de produtos e equipamentos de saúde, desde os mais básicos àqueles com tecnologia de ponta incorporada, o que torna o oferecimento de bens e produtos sanitários para a população em geral através do SUS cada vez mais custoso, sobretudo no que se refere àqueles com os mais recentes avanços tecnológicos.
Esse diagnóstico foi atualizado nos tempos mais recentes, ao presenciarmos situações inaceitáveis de dificuldade na disponibilização e acesso da população a produtos e tecnologias para atender mesmo às necessidades básicas de saúde. Durante a pandemia da COVID-19 faltaram em todo país máscaras e equipamentos de proteção individual (EPIs), respiradores e testes de diagnóstico. O abastecimento irregular dos fármacos utilizados no SUS, problema antigo e reiterado, têm sido ampliado e cronificado nos últimos dois anos, com ausência desde medicamentos essenciais da atenção básica – como dipirona e soro fisiológico – bem como outros relacionados ao tratamento de doenças raras e crônicas.
Levando em conta a importância da fatia da saúde na economia como um todo, as propostas hegemônicas sobre o CEIS defendem ainda que o processo de pesquisa, inovação e produção em saúde assumam um papel central no desenvolvimento econômico nacional, como uma espécie de salto de qualidade no processo produtivo e na reindustrialização do país. A partir dessa perspectiva, o Estado seria o locus fundamental para garantir a retomada da industrialização a partir de uma política de CT&I mais proativa, visando superar a posição subalterna que o Brasil ocupa no sistema de produção internacional. Além disso, o desenvolvimento desse complexo teria um grande potencial de geração de empregos, em muitos casos com postos de trabalho mais qualificados, o que favoreceria de forma direta o enfrentamento da questão do desemprego. Ainda que à primeira vista tal caracterização possa parecer razoável, não são neutras nem incontroversas as formas propostas para implementação dessas políticas.
As discussões sobre CEIS estão vinculadas aos debates e proposições mais amplos sobre o que ficou conhecido, no início dos anos 2000, como a retomada da discussão em torno do chamado desenvolvimentismo, abordagem interditada em toda América Latina e no Brasil desde o ascenso e consolidação do neoliberalimo a partir dos anos 70. As propostas advindas das novas faces desenvolvimentistas quanto as do CEIS se apoiam numa abordagem crítica e supostamente alternativa às políticas econômicas e sociais de corte neoliberal, buscando definir modelos de crescimento e desenvolvimento econômico de forma ampla, regulada e planejada pelo Estado. Não se trata, porém, de tão somente um resgate ou retorno das antigas fórmulas desenvolvimentistas dos países da periferia do capitalismo na metade do século XX, fundamentadas na promoção da soberania nacional, do crescimento econômico e da justiça social, através principalmente de um Estado-empresário e de uma industrialização orientada por substituição de importações, em alinhamento às políticas econômicas e sociais hegemônicas do período pós segunda guerra mundial, de corte keynesiano, que nos países centrais eram conhecidas como Welfare State ou Estado de Bem-estar Social. Para os teóricos dos novos desenvolvimentismos aquela concepção não seria mais adequada ou viável nos tempos contemporâneos. Com isso, as novas estratégias desenvolvimentistas carream de forma muito mais cristalina uma conjugação virtuosa entre Estado e mercado.
Para contrastar com o neoliberalismo, que não entregou o prometido mercado forte e gerador de riquezas e do bem estar social, as novas recomendações desenvolvimentistas apontarão que somente através de um estado forte na condução de políticas fiscal, monetária, cambial e salarial, ou seja, com papel coordenador e com capacidades para regular a economia, será possível cumprir os requisitos necessários para um crescimento econômico sustentado, que permitirá à nação superar os males do capitalismo financeirizado e especulativo. Porém, tais mazelas centrais a serem enfrentadas caminham em paralelo ao reconhecimento dos aspectos positivos do modo de produção capitalista, os quais precisam ser fortalecidos e incrementados. Ou seja, naturalizam ou dão valor universal e positivo ao capitalismo como forma de ampliar a riqueza e modernizar as sociedades, considerando de forma apenas lateral as contradições intrínsecas ao modo de produção capitalista e os conflitos entre as classes do trabalho e da burguesia proprietária. A partir dessa perspectiva, as proposições econômicas e sociais devem ser orientadas para garantir as melhores condições de reprodução do modo de produção e da sociabilidade capitalista. Intentam promover um capitalismo melhorado, com um mercado forte, um sistema financeiro funcional, e um estado indutor e coordenador, porém não substituto das funções ditas como típicas da esfera privada. Em síntese, em nome da superação do neoliberalismo, as propostas dos novos desenvolvimentismos atualizam em novas bases as relações sociais capitalistas, nutrindo um horizonte de transformação social restrito a melhorias incrementais e reformas não estruturais.
É dessa mesma fonte teórica e política que derivam as formulações mais recentes, a partir dos anos 2000, que defendem a necessidade da superação da posição de dependência tecnológica do setor saúde no Brasil e a organização de um complexo produtivo em saúde, ou CEIS, como é chamada a formulação mais atual.
As propostas para o CEIS em muito se baseiam numa suposta virtuosidade da relação público-privado na economia e na inovação. Orientam ao fortalecimento do setor produtivo privado, em estreita articulação com o setor público como estratégia para sustentar e subsidiar o desenvolvimento de capacidades para enfrentar a vulnerabilidade externa da oferta de produtos para a saúde. Tudo articulado, grandes multinacionais e empresas brasileiras, estatais e privadas, universidades, instituições de pesquisa e inovação, fábricas e laboratórios públicos, em parcerias público-privadas para transferência, desenvolvimento e produção de tecnologias para a saúde.
Tal arquitetura, de tão perfeita, soa intuitivamente como viável e possível, e seria dependente tão somente de uma correta condução técnica e política de um Estado ocupado por um bloco político progressista e fundado em um vasto arco de interesses de classes. Porém, é preciso destacar que, sob a complexidade e justa intencionalidade das proposições do CEIS (bem como de todo o arcabouço dos novos desenvolvimentismos), há todo um conjunto de importantes questões não consideradas em suas análises e prognósticos. Carece de uma análise profunda do capitalismo contemporâneo, sobretudo acerca dos aspectos relacionados à dialética entre imperialismo e as formações sociais dependentes, como é o caso de nosso país, incluindo nesse âmbito o comportamento subordinado e associado que a burguesia das nações periféricas assume no mercado mundial. A conjuntura política recente, no mais próximo que tivemos de um ensaio desenvolvimentista durante os governos petistas, comprovou o quão frágil pode ser um projeto de desenvolvimento das forças produtivas baseado numa indução pelo Estado a uma maior presença ou fortalecimento de determinados grupos econômicos em posições estratégicas na estrutura produtiva nacional, sem contudo fazer o enfrentamento da questão da propriedade, ou seja, sem uma estratégia de ampliação da propriedade estatal sobre meios de produção e créditos.
Todavia, é fundamental avançarmos na elaboração e implementação de uma política de desenvolvimento da CT&I e da atividade produtiva nacional soberana, para que possamos atender adequadamente às necessidades sanitárias da maioria da população e às demandas essenciais do SUS. Para isso, precisamos de um setor público forte, consolidando e reforçando os laboratórios e instituições de C&TI públicas como seus pilares centrais. Várias dessas instituições têm demonstrado sua robustez, destacando-se e se mostrando imprescindíveis nesse cenário adverso que tem sido o da pandemia da Covid-19, como foi o caso da Fiocruz e do Instituto Butantan, responsáveis pela maioria das doses de vacinas utilizadas no Brasil. A utilização das instituições públicas como articuladoras das políticas de transformação da estrutura produtiva, do desenvolvimento tecnológico e da inovação, requer o imediato fim do desmantelamento e desfinanciamento porque têm passado desde o golpe de 2016. Requer também rechaçar todas as iniciativas de privatização ou de adoção da lógica privada em sua organização. Transferir recursos públicos para contemplar os interesses das multinacionais farmacêuticas e de equipamentos, bem como da burguesia brasileira integrada de forma subordinada aos circuitos produtivos e financeiros globalizados, não parece ser o caminho para alcançar a pretendida soberania.
O papel assumido pelo Brasil na divisão internacional da produção e reprodução capitalista –uma economia dependente e articulada a um desenvolvimento global desigual e combinado, com uma burguesia nacional conservadora, subordinada aos interesses do capital imperialista, e acomodada em seus interesses mais imediatos – não será superado pela mera vontade de nenhum governo de plantão. Nossa burguesia já demonstrou de forma cabal sua indisposição para mudar tal situação. Apenas com a luta capitaneada pela classe trabalhadora e suas organizações que poderemos começar a virada. O incentivo estatal, sem controle e mobilização popular, resultará em mais um fracasso nessa tentativa. Por conta disso, não pode haver sucesso numa proposta de real superação da dependência tecnológica em saúde que não passe por essa superação estrutural do papel de subalternidade do Brasil em relação aos grandes interesses econômicos internacionais, e sem o fortalecimento de um complexo de pesquisa, desenvolvimento e produção em saúde composto por instituições públicas fortalecidas.
Além dessas questões mais gerais, outros aspectos particulares devem também ser considerados na constituição de iniciativas que apontem para o desenvolvimento de uma nação realmente soberana e para um conhecimento livre e orientado para uma saúde democrática e popular:
– As rápidas e imensas transformações tecnológicas contemporâneas em curso, que alguns atores chamam de Quarta Revolução Industrial, têm implicado em reestruturações no mundo do trabalho, nas relações de produção, na indústria e no mercado mundial. E o SUS não passa incólume diante desse quadro. Novas incorporações tecnológicas têm se tornado igualmente novos nichos de acumulação e lucro, como é o caso das health techs, e pouco tem sido feito no âmbito estatal para refrear ou mesmo regular essa tendência
– Todo o sistema de patentes e de propriedade intelectual constitui um complexo mecanismo que obstrui o acesso democrático e popular sobre o conhecimento e às tecnologias. Vacinas, medicamentos e outras tecnologias de saúde, ao se tornarem propriedade de corporações do complexo industrial médico e farmacêutico, não são produzidas e distribuídas orientadas pelo seu valor de uso, ou seja, por sua capacidade de propiciar bem estar para a população, mas pela possibilidade de gerar lucros para aqueles conglomerados. Além disso, esse verdadeiro monopólio intelectual, é concentrado em poucas empresas, geralmente localizadas nos países centrais, o que implica em transferência de valor dos países da periferia para maximizar os lucros do setor privado e industrial da saúde daqueles países, limitando por consequência a capacidade da produção e de conhecimento nos países do Sul global, e aprofundando o caráter dependente e subordinado dessas nações. É necessário inverter essa dinâmica, garantindo e aumentando a importância do domínio público do conhecimento e das tecnologias, desmercantilizando o acesso ao saber e a produtos e materiais frutos de pesquisas, as quais o mais das vezes são financiadas por recursos de fundos públicos dos países.
– Durante o período da pandemia ocorreu um fortalecimento do negacionismo epidemiológico, sanitário e científico como nunca visto na história brasileira. A novidade não se deu apenas no volume e aderência popular ao combate à vacina, às máscaras e às medidas para garantir o distanciamento social, junto com a disseminação do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes para o manejo da COVID-19, mas sobretudo pelos esforços governamentais por parte de Bolsonaro e de alguns governadores e prefeitos em relativizar a gravidade da pandemia, adotando todo tipo de conduta negacionista, ignorando pesquisas e estudos clínicos brasileiros e mundiais, assim como as recomendações da OMS. Em decorrência disso, o Brasil registrou milhares de mortes pelo coronavírus que poderiam ter sido evitadas; o consagrado Programa Nacional de Imunização foi desmontado e ultrajado; e os dados epidemiológicos e indicadores de saúde produzidos e disponibilizados pelo SUS sofreram um amplo apagão. É preciso, pois, reverter esse cenário, ampliando a consciência sanitária e a legitimação do conhecimento científico para a produção dos cuidados em saúde.
– A subsoberania que caracteriza a posição do Brasil na geopolítica mundial é compartilhada com os demais países da América Latina e de outras regiões do Sul global, e por isso seu enfrentamento e superação não pode ser exclusivamente por iniciativas isoladas e de caráter local e nacional. É necessário o fortalecimento da cooperação internacional, integrando os sistemas de CT&I e retomando o ativismo do Brasil na agenda sanitária internacional, tendo como centro a defesa dos sistemas universais de saúde e da solidariedade entre os povos.
Em síntese, uma política democrática e popular de CT&I, onde a saúde seja um dos seus eixos centrais, é condição fundamental para um projeto de nação soberana e independente, que tenha como sua expressão material a igualdade social e o bem viver da nossa população, assegurando a cada um segundo suas necessidades coletivas e individuais. Sua concreção supõe um Estado sob controle da classe trabalhadora, atuando como agenciador do investimento em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, garantidor da transição do conhecimento para o setor produtivo sem sua apropriação por grupos econômicos, para que os resultados sejam revertidos para toda a sociedade.

PROPOSTAS
– Tornar 100% público todo o ciclo de inovação e produção de medicamentos, vacinas, insumos, serviços e tecnologias para a saúde, visando ampliar o acesso a todos os produtos necessários para a saúde da população brasileira e a garantia de maior autonomia e suficiência do Estado frente ao mercado, buscando superar a crônica dependência e subordinação ao setor privado nacional e, principalmente, internacional;
– Ampliar e fortalecer a estrutura e o financiamento das instituições públicas de CT&I em saúde, bem como a capacidade produtiva dos laboratórios públicos estatais, cessando os subsídios para expansão do setor privado;
– Instituir programas e políticas de indução e incentivo à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em saúde, sobretudo a produtos mais diretamente vinculados à carga de doenças da população brasileira e às doenças negligenciadas pelo capital, valorizando saberes e tecnologias tradicionais e associadas à biodiversidade brasileira, privilegiando os grupos de pesquisa dos institutos, laboratórios e universidades públicas, e assegurando que o acesso final do conhecimento seja livre, aberto e de domínio público, bem como que as tecnologias desenvolvidas sejam direcionadas para o acesso universal e público aos usuários do SUS;
– Qualificar os processos de avaliação e incorporação de tecnologia no SUS e no sistema de saúde supletivo com base nas necessidades de saúde e pelo aprimoramento da análise técnica e econômica, revertendo a atual influência do mercado na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e na ANS;
– Avançar na quebra compulsória de patentes de insumos, medicamentos, vacinas e demais tecnologias em saúde, sobretudo aquelas relacionadas a situações de emergência sanitária e às doenças mais prevalentes no quadro sanitário nacional, incluindo a retirada das tecnologias da saúde e de bens essenciais à vida do escopo do TRIPS e dos acordos comerciais e de propriedade intelectual, visando garantir a primazia do direito à vida e à saúde sobre o direito à propriedade e sobre o direito de quem produz as tecnologias;
– Implementar dispositivos para ampliação do acesso livre e a disseminação do conhecimento científico, abrindo mais espaço para maior colaboração e avanços nas pesquisas;
– Reforçar a estrutura e a capacidade técnica dos órgãos de regulação sanitária do Estado brasileiro nas três esferas governamentais, visando o fortalecimento da saúde pública, a ampliação da proteção e do controle dos riscos para a saúde das populações, a garantia da qualidade e segurança na prestação de serviços em saúde e na disponibilização, comercialização e produção de tecnologias, incluindo a imediata retomada da anuência prévia da Anvisa para a concessão de patentes e incorporação de novas tecnologias em saúde;
– Ampliar os mecanismos de regulação da produção e do comércio farmacêutico e de produtos em saúde, incluindo política de preços, visando garantir a regularidade de disponibilização, abastecimento e acesso de todos os produtos necessários para o cuidado em saúde da população brasileira;
– Implementar medidas de combate ao negacionismo e às “fake news” (notícias falsas) na saúde, visando a ampliação da consciência sanitária e o reconhecimento e fortalecimento do conhecimento científico na produção dos cuidados em saúde;
– Fortalecer a cooperação internacional no âmbito do Sul global visando iniciativas colaborativas para o desenvolvimento, produção e disponibilização de tecnologias em saúde, baseadas no princípio da solidariedade e da equidade entre os povos;
– Desenvolver mecanismos regulatórios que sustem o crescimento das empresas de health tech no SUS e na saúde suplementar, garantindo a proteção dos dados pessoais e clínicos da população.

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CONTRIBUIÇÃO PARA AS ELEIÇÕES 2022: “SAÚDE, DEMOCRACIA E SOCIALISMO

O PSOL diante da tarefa histórica de construção de um programa para a saúde da classe trabalhadora


O Brasil atravessa já há muitos anos um cenário de contínuo endurecimento e consolidação da agenda neoliberal. Esse quadro se agrava desde o golpe de 2016, com a escalada de um neoconservadorismo e a ascensão do bolsonarismo. Temos com isso presenciado uma ampla reversão de direitos sociais, através do desmonte das políticas públicas, de amplos processos de privatização e mercantilização de instituições e bens públicos, do cerceamento à participação política dos movimentos sociais populares, do retorno do país ao mapa da fome, na reversão dos direitos historicamente conquistados do movimento feminista, LGBTI+, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, da população negra e periférica entre outros. E nos últimos dois anos temos vivenciado uma tragédia humanitária sem precedentes de escala global em consequência da emergência sanitária desencadeada pela COVID-19; e que no Brasil ganhou contornos de genocídio, diante da condução política do país pelos bolsonaros, castros, dorias, zemas, pachecos, liras, maias e alcolumbres e tantos outros, que levou a morte de quase 700 mil brasileiros desde o início da pandemia e ampliou ainda mais nossas crônicas desigualdades sociais, fazendo com que os mais pobres tenham sido os mais atingidos por essa tragédia.
O governo Bolsonaro negou, a todo tempo, a gravidade da pandemia. Atuou para o fortalecimento do negacionismo epidemiológico, sanitário e científico com a proposta de inclusão de medicamentos não aprovados pela Organização Mundial de Saúde para o manejo da COVID-19, pela ausência de divulgação de informações e dados epidemiológicos e indicadores de saúde no âmbito da pandemia, pelo adiamento deliberado da compra e disponibilização de vacinas, e pela contraposição à adoção de medidas para garantir o distanciamento social e o uso de máscaras. Foi deliberado e ostensivamente ausente na coordenação interfederativa e articulação das autoridades sanitárias das esferas federal, estadual e municipal. O governo Bolsonaro também iniciou um processo de militarização do Ministério da Saúde – assim como também ocorreu em outras áreas estatais –, com a chegada de um general de exército ao cargo de Ministro e a inserção de vários oficiais das forças armadas brasileiras nos escalões inferiores e em cargos técnicos. Aos crimes contra a saúde pública se somaram a insuficiência de políticas públicas emergenciais que buscassem enfrentar a ampliação da vulnerabilidade social e da fome, e os efeitos da desaceleração econômica do período.
O Brasil, que tem 2,7% da população mundial, enfrentou o epicentro da crise sanitária global atingindo quase 13% dos óbitos acumulados no mundo. A atenção à saúde no período pandêmico foi centralizada no âmbito hospitalar, com diálogo frágil com a vigilância em saúde e com a atenção básica em saúde. O Ministério da Saúde negligenciou políticas de saúde específicas a segmentos sociais mais atingidos, como as mulheres, população LGBTI+, populações indígenas, populações periféricas etc. As regiões de maior vulnerabilidade social e econômica vivenciaram os maiores impactos da pandemia, atravessadas pelos marcadores de gênero, raça e classe social. O descaso com as políticas de Estado atingiram, principalmente, populações de maior vulnerabilidade como negros e pobres reafirmando os contornos do darwinismo social e de extermínio da população historicamente excluída em nossa formação social e histórica.
Considerando uma análise mais geral da política de saúde, a agenda neoliberal e neoconservadora, que tem na emenda constitucional 95, implementou desde finais de 2016 um teto para gastos sociais, uma de suas principais concretizações, tem provocado o desfinanciamento e o desmonte de um conjunto de políticas de saúde historicamente conquistadas pela população. Destacamos a seguir alguns exemplos, entre tantos possíveis. A política nacional de atenção básica tem vivenciado mudanças no modelo de financiamento, a adoção de um modelo privatizante através da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária de Saúde (ADAPS), e a transformação do seu modelo técnico-assistencial, com reorientação de processo de organização do trabalho. A saúde indígena sofreu constantes ataques, como a tentativa de municipalização do Subsistema de Saúde Indígena. No campo da reforma psiquiátrica e da saúde mental ocorre um processo de remanicomialização do modelo de atenção, sobretudo pelo incremento e financiamento das chamadas Comunidades Terapêuticas. Nas políticas de saúde das mulheres, o governo incide principalmente em retrocessos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.
Este grave e dramático cenário provoca amplamente o PSOL a se organizar e se posicionar no processo eleitoral de 2022. É um desafio central a construção de um programa e de estratégias e táticas eleitorais que assegurem o enfrentamento adequado a essa conjuntura e que, ao mesmo tempo, fortaleçam o PSOL como uma alternativa socialista com independência de classe.
É dessa forma que a tarefa histórica do PSOL referente à saúde da população brasileira deve se pautar por proposições e alternativas coerentes e objetivas que modifiquem a materialidade das condições de produção de vida, bem estar e saúde na estrutura da sociedade, articuladas com a totalidade de um programa de transição socialista como projeto para o país. Tendo, assim, como horizonte, a hegemonia dos interesses da classe trabalhadoras, e como centro das lutas a construção de um SUS maior, 100% público, estatal, descentralizado, intersetorial, interseccionalizado por questões de classe, gênero, raça/etnia e território, bem como a luta por melhores condições de vida e trabalho para toda a população brasileira.
É nessa perspectiva de construção do socialismo que nos inspiramos no projeto societário objetivado no movimento original da Reforma Sanitária Brasileira, que compreende os fenômenos inerentes à vida, ao adoecimento das populações e à produção de saúde como um conjunto de processos determinados social, econômica e historicamente, e que se orienta pela construção de transformações radicais no modo de vida e da sociedade de forma geral, numa perspectiva contra-hegemônica, articulando as dimensões estruturais e os processos superestruturais nas suas dimensões histórica, econômica, política, ideológica e cultural para a superação do capitalismo.
Por esse enfoque, compreendemos que o capitalismo – com sua estrutura social caracterizada pelo antagonismo inconciliável entre os interesses da classe que vive do trabalho e aqueles defendidos pela classe proprietária dos meios de produção – busca impor uma lógica de racionalização econômica e do império das exigências privadas na organização da sociedade e na ação do Estado, que afetam a vida em suas múltiplas dimensões, dentre estas as práticas de saúde e os sistemas e serviços de saúde. Desse modo, a luta pela saúde e pela vida só se constrói no solo histórico das lutas sociais da classe trabalhadora, o que impõe a necessidade de uma perspectiva crítica e de uma abordagem ampliada da saúde, que considere suas relações com os modos de produção e reprodução social e econômica da sociedade, em sua dinâmica e contradições.
Partindo desses pressupostos é preciso considerar que a saúde vai bem mais além do acesso a serviços e à organização de um sistema de saúde, mas como resultante dos processos econômicos, sociais, culturais, históricos, políticos e subjetivos que impactam o cotidiano de cada trabalhadora e trabalhador, como: as condições de moradia, como nas favelas, periferias, ocupações, aldeias, quilombos, assentamentos, comunidades rurais e acampamentos; o sistema de mobilidade urbana e de deslocamento entre casa, trabalho e lazer; as condições econômicas e direitos trabalhistas, o nível de empregabilidade, de salário e renda das trabalhadoras e trabalhadores; o direito e acesso ao lazer; as diversas formas de violência tais quais a policial, homicídios, gênero e raça/etnia, acidentes de trânsito e de trabalho; o acesso à educação pública e de qualidade; as implicações estruturais de desigualdade relativas gênero, orientação sexual, identidade de gênero, bem como de raça/etnia e território; a segurança alimentar e nutricional; o acesso à água e ao saneamento básico, entre outras dimensões da vida social.
A análise e o enfrentamento a cada uma destas dimensões são fundamentais para garantir condições dignas de vida para toda a população, mas precisam ser permanentemente observadas de forma articulada como partes dinâmicas de uma totalidade social concreta, o modo de produção capitalista, que precisa ser superado na perspectiva da construção de uma sociedade socialista.
É pela reafirmação permanente da luta pelo direito à saúde e sob a compreensão ampliada do processo de produção social da vida que devemos orientar as políticas que definem as práticas sanitárias e o sistema de saúde. O SUS é um legado das lutas pela construção de um sistema de saúde público e ampliado, articulado com a busca das mudanças estruturais que superem a sociedade capitalista, produtora de adoecimento e mal estar, e é sintetizado na consigna “saúde, democracia e socialismo”. E esses combates, históricos e essenciais, pela vida dos povos, pelo direito de respirar, de comer e sobreviver, foi ainda mais extremado diante do recente cenário pandêmico da COVID-19.
As crises econômica e sanitária geradas pela pandemia têm sido gravíssimas, agudizando a crônica concentração de riqueza e poder. O aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas geradas pelo momento atual impõem à classe trabalhadora condições de vida e de saúde muito piores, e provoca no SUS uma das mais graves crises desde sua existência.
A luta pela vida e pela saúde, neste contexto histórico, assume ainda mais e múltiplos sentidos: fortalecer o SUS, reverter a estrutura social e econômica capitalista que suga a vida dos trabalhadores, atuar no enfrentamento à pandemia da COVID-19 e construir uma alternativa e agenda política de esquerda contra o Governo Bolsonaro.

Fora Bolsonaro!
Rumo ao Socialismo!

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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

O sistema de saúde brasileiro sustenta-se, desde a sua criação, com um subfinanciamento que o impede de garantir o acesso adequado e necessário à população. Os avanços constitucionais, entre os quais o SUS é um dos principais e mais abrangentes, previam um conjunto de mecanismos orientados para apoiar financeiramente o desenvolvimento da nascente seguridade social brasileira. Porém, já nos seus primórdios, as forças sociais que expressavam o projeto neoliberal nos anos 90 conseguiram derrubar boa parte desses dispositivos, instalando o cenário contraditório que nos acompanha desde então, de criação ou ampliação de direitos sociais e políticas públicas sem a garantia de dispor dos recursos suficientes para sua plena efetividade.
Desde então o financiamento das políticas de saúde tem sido definido por um conjunto de padrões e instrumentos incompatíveis com o caráter distributivo e gerador de equidade, que a reforma sanitária preconizava para o SUS, e inviabilizador dos princípios de universalidade, integralidade, qualidade do cuidado do sistema público estatal de saúde. Ao compararmos países com sistemas de saúde similares, o setor público brasileiro, envolvendo as três esferas de governo, gasta pouco com o SUS, sendo esse um dos principais indicadores de evidência do nosso crônico subfinanciamento. Apesar do relativo esforço das esferas estaduais, e principalmente municipais de elevação dos gastos em saúde, a participação do governo federal no financiamento do SUS não acompanha as necessidades impostas pelo nosso movente perfil epidemiológico e populacional, com diminuição constante de sua contribuição proporcional aos gastos públicos totais.
Outro padrão que ordena a insustentabilidade do SUS é a verificação de que a composição do gasto público em relação aos gastos totais de saúde do Brasil é menor do que os gastos privados, relacionados aos planos de saúde ou ao desembolso direto para pagamento de serviços e bens de saúde, sobretudo com medicamentos. Considerando que os gastos públicos são direcionados para uma parcela bem maior da população, essa relação se mostra ainda mais perversa, escancarando o fosso entre as classes sociais no acesso à saúde.
O caráter regressivo de nossa estrutura tributária contribui para perpetuar setorialmente, ou seja, dentro do SUS, o conflito distributivo. Parte do gasto privado em saúde é financiado pelo Estado, mediante renúncias fiscais, principalmente através do imposto de renda da pessoa física e jurídica, privilegiando majoritariamente as famílias com melhor renda e com estabilidade no mercado de trabalho. Isso acontece também através das desonerações fiscais para o complexo econômico e industrial da saúde e para os chamados hospitais filantrópicos. A tudo isso se somam ainda os “salvamentos” eventuais de setores econômicos da saúde com dificuldades de manutenção de seus lucros e solvência, como o caso de abertura de linhas de crédito direcionadas pelo BNDES para tais fins.
Após tantos anos subfinanciado, o SUS passa a ser desfinanciado, com perdas de recursos ano a ano, a partir da vigência da emenda constitucional 95 (EC95) que criou um teto de gastos para o conjunto das políticas públicas.
Durante o governo Bolsonaro um conjunto de medidas – como o Previne Brasil, a criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde, entre outras – alterou de maneira estrutural tudo o que foi construído historicamente para o fortalecimento da atenção primária em saúde (APS) no Brasil. Entre tantas modificações apresentam um novo modelo de financiamento da APS que vem produzindo desigualdades na distribuição de recursos entre os municípios, e induzido práticas assistenciais que distam da abordagem comunitária, multiprofissional, e longitudinal que alicerçava até então a expansão da Estratégia de Saúde da Família.
Todo esse cenário setorial à saúde é determinado mais amplamente pela política macroeconômica brasileira que atravessou o SUS nos seus pouco mais de 30 anos de existência, por não enfrentar os problemas estruturais nacionais típicos de um país dependente e da periferia do capitalismo, mantendo assim intacto ou apenas arranhado o flagelo da desigualdade e da desproteção social, a concentração de riquezas e propriedades, e a transferência de valor para os países centrais. Às já citadas regras fiscais impostas pela EC95 e a política tributária de corte altamente regressivo, se somam um conjunto de outras medidas, sejam na área fiscal, monetária, tributária, além das políticas regulatórias do setor privado ou indutoras do setor produtivo. Entre tantas, citamos a Desvinculação de Recursos da União (DRU), a estrutura e gestão da dívida pública, a “regra de ouro”, as metas para resultados primários superavitários, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o controle inflacionário através do aumento das taxas de juro (SELIC) etc. Importa destacar também os acordos para gestão das dívidas das esferas estaduais, em especial o marco regulatório que define o mecanismo de Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para os estados, que tem implicado em retirada de direitos do povo, como a proibição de concursos, teto de gastos, privatizações etc.
É preciso rejeitar também as fórmulas simples da economia liberal, que em nome do que chamam de saúde ou equilíbrio fiscal, contrapõem à necessidade de ampliação dos recursos – conforme defendido por todo o movimento sanitário brasileiro – recomendações voltadas para a modernização da gestão e de melhoria gerencial e de eficiência os gastos. Para eles os recursos para a saúde não são insuficientes, pelo contrário, são desperdiçados por má gestão, justificando assim o subfinanciamento e desfinanciamento das políticas públicas. Essa racionalidade compreende ainda que há uma supremacia da lógica e da gestão privada em relação à gestão pública. Desse modo, a consequência política e gerencial dessa orientação doutrinária é a ampliação da terceirização e da privatização da função pública, o fortalecimento da ideologia gerencialista, a implantação de modelos de metas meramente quantitativas e de caráter produtivista, o sobretrabalho etc. Porém, a prática e diversos estudos têm demonstrado que essa tal melhor eficiência que quase nunca é comprovada através de seus resultados e “entregas”, e muito menos a qualidade dos serviços prestados sob essa racionalidade privatista. É preciso admitir, contudo, que esse discurso tem grande aderência, em especial junto aos gestores do SUS, devido ao fato concreto de que existem diversos entraves na máquina administrativa do Estado brasileiro. Um programa socialista precisa assim, enfrentar esses gargalos, através de uma Reforma Democrática do Estado, para que possamos avançar na qualificação da gestão pública que se oriente pela defesa de um estado desprivatizado e organizado para garantir o bem estar da população.
Diante deste complexo cenário, nenhuma proposta de alteração do financiamento do SUS pode ter contornos exclusivamente setoriais. É preciso mexer profundamente nas estruturas que mantém e determinam econômica, política e socialmente a forma de reprodução social atual. O horizonte do SUS plenamente instituído, portanto, só é possível com o socialismo. Sem as condições para esse alcance de forma mais imediata, as tarefas que temos no presente momento, portanto, devem sempre apontar para esse fito, propondo pontos programáticos que permita-nos, por aproximações sucessivas, construir a transição para a sociedade emancipada e livre das amarras do capital.
As propostas do PSOL para financiar e tornar o SUS orientado pelas necessidades da classe trabalhadora brasileira precisam se assentar não apenas em cálculos técnicos e arcabouços sofisticados. O SUS sempre avançou através de lutas sociais históricas contra as diversas formas de mercantilização e privatização da saúde e da vida, pois expressam a perspectiva da classe que vive do trabalho. Precisamos assim de propostas que derrubem de imediato as medidas estruturais citadas, ou que avancem através de planos de transição que mitiguem seus efeitos e reduzam os danos que causam. Precisamos também de medidas setoriais que ampliem a capacidade do SUS em produzir e proteger vidas. Contudo, precisamos ainda mais que a mobilização popular seja ampla e forte, para arrancar da classe dominante brasileira a efetivação dessas propostas, bem como garantir que os propósitos que as orientam estejam alinhados à realidade material vivenciada pela maioria da população.
Assim, o PSOL se organiza nas lutas da saúde que defrontam todas as manifestações do lucro acima da vida, buscando contribuir para fortalecer o poder popular e um sistema de saúde público, 100% estatal, de qualidade, com financiamento adequado para atender às necessidades sociais e de saúde do nosso povo trabalhador.
PROPOSTAS:
– Aumentar a participação do Estado no financiamento da saúde, sobretudo da esfera federal, visando simultaneamente ampliar o gasto público per capita e inverter gradativamente a proporção dos gastos públicos frente aos gastos privados em saúde, atingindo pelo menos 75% dos gastos totais em saúde, iniciando com medidas de ampliação substancial para impacto imediato no orçamento de 2023, autorizando recursos para despesas emergenciais que atendam demandas reprimidas pela pandemia da COVID-19 e recuperação dos montantes perdidos desde a instalação do teto de gastos (EC 95);
– Revogar o atual arcabouço fiscal e construir novos princípios norteadores para a política fiscal baseados no atendimento das necessidades sócio-históricas e economicamente determinadas, e voltados à transformação societária;
– Revogar o teto de gastos (EC-95), a “regra de ouro” e as metas de resultado primário, as três âncoras da política fiscal brasileira que sufocam o fundo público e impõem desinvestimentos nas políticas sociais;
– Extinguir a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e não prorrogá-la após cessar seu prazo de vigência em 2023, para ampliar as receitas de toda Seguridade Social;
– Revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), substituindo-a por uma Lei de Responsabilidades Sociais, que vincule e submeta a gestão fiscal às necessidades da população para seu bem viver;
– Adotar dispositivos de gestão, transparência e auditoria permanente da dívida pública. Recursos oriundos do endividamento público devem ser devidamente alocados para a Seguridade Social e voltados à garantia de padrões civilizatórios de bem estar social, logo sem a centralidade atual da dívida como instrumento da política monetária e de favorecimento aos rentistas, puncionando e sufocando o fundo público;
– Retomar a centralidade dos instrumentos de planejamento plurianual, sobretudo o PPA, com definição de metas sociais e de desenvolvimento nacional;
– Aprimorar os mecanismos de transparência, participação e controle pela classe trabalhadora do fundo público, dos gastos públicos em saúde e nas demais políticas sociais, incluindo a redefinição dos marcos constitucionais e regulatórios acerca da programação orçamentária, tendo como horizonte a implementação do orçamento participativo nas três esferas governamentais ordenado para atendimento às necessidades de base comunitária e territorial;
– Extinguir o chamado “orçamento secreto” e reorientar todo o atual processo de proposição de emendas parlamentares ao Orçamento público, de modo que a destinação dos recursos previstos nesses instrumentos sejam voltadas ao interesse público e sujeitos ao controle social e à participação popular desde o momento da formulação, e, no caso da saúde, articuladas com as políticas orgânicas de saúde e a critérios epidemiológicos, populacionais, sociais e econômicos;
– Implementar reforma tributária com maior progressividade, orientada para que a classe trabalhadora pague menos impostos e os ricos paguem mais e garantidora de mais recursos para o SUS e para as demais políticas sociais, incluindo a taxação das grandes fortunas, heranças e doações intervivos, impostos sobre veículos aéreos e marítimos, aumento da faixa de isenção do imposto de renda e criação de novas faixas para as maiores rendas, ampliação da base de tributação das empresas, taxação de lucros e dividendos etc;
– Adotar mecanismos de tributação para a esfera financeira, principalmente para grandes transações, vinculando a destinação à Seguridade Social, sendo 50% para a Saúde.
– Extinguir a renúncia fiscal na declaração de renda da pessoa física e jurídica com despesas privada com saúde, de forma gradativa, iniciando pela introdução imediata do limite de gasto;
– Suspender a anistia das dívidas de planos e operadoras de saúde, assim como a garantir 100% do ressarcimento ao SUS, inclusive retroativo, por atendimentos realizados em seus serviços a beneficiários de planos e seguros de saúde;
– Extinguir gradativamente as renúncias fiscais para Hospitais Filantrópicos, Indústria Farmacêutica e os subsídios para operadoras de planos privados e seguros de Saúde, tendo como horizonte o fim de todo tipo de subsídio público direto ou indireto ao setor privado na saúde;
– Ampliar as formas e volumes de transferências obrigatórias aos municípios e estados, de forma distributiva e considerando critérios epidemiológicos, populacionais, sociais e econômicos, superando os modelos de financiamento que aumentam as desigualdades federativas, como o Previne Brasil, para um horizonte de combate aos desertos sanitários e ampliação da rede para alcance do SUS universal e resolutivo;
– Renegociar imediatamente as dívidas dos governos estaduais, convertendo parcela da dívida mobiliária em projetos de investimentos voltados para o desenvolvimento, expansão e aprimoramento da infraestrutura do sistema de proteção social e impulsionador da geração de empregos;
– Estabelecer um programa nacional de investimentos que assegure a ampliação da infraestrutura física e tecnológica do setor público de saúde, adequada para garantir a integralidade do cuidado em todo o território nacional, a estruturação de redes regionalizadas e hierarquizadas de atenção à saúde com ênfase na atenção básica, e a redução da contratação pelo estado de prestadores de serviços privados;
– Revogar a PNAB 2017 e o Previne Brasil que desestruturaram os fundamentos da atenção básica brasileira e da estratégia de saúde da família, incluindo os mecanismos de financiamento e distribuição federativa de recursos.

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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: SAÚDE DAS MULHERES

Imagem Setorial Nacional de Mulheres do PSOL


A Política de Atenção Integral de Saúde das Mulheres (PAISM) é uma conquista histórica da luta do movimento feminista e do movimento da reforma sanitária brasileira. Ao longo do processo de redemocratização o movimento feminista avançou na luta pelos direitos das mulheres, com a conquista da Constituição Federal de 1988, da Comissão Nacional de Direitos das Mulheres (CNDM) e com a construção da PAISM em 1985, que superava a perspectiva da atenção materno-infantil a qual reduzia a função das mulheres ao processo reprodutivo.
Nessa direção, o PSOL compreende que o termo “mulheres” supera uma leitura essencialista, biológica e orientada pela diferença sexual, e considera os múltiplos processos existenciais e subjetivos: mulheres negras, ciganas, indígenas, quilombolas, brancas; mulheres trans, cis, lésbicas, LGBTQIAP+; mulheres do campo, da floresta e das águas; mulheres privadas de liberdade, com deficiência, idosas, jovens, trabalhadoras sexuais, em situação de rua, entre outras.
A saúde das mulheres, nos últimos anos, avançou em relação ao acesso e acolhimento no SUS, porém persistem indicadores preocupantes relacionados à saúde materna e infantil, e no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, como a prevalência de partos cesarianos sem indicação clínica e os altos de indicadores de mortalidade materna indicando desafios na atenção ao pré-natal e na assistência ao parto. Integrado a esse contexto temos acompanhado o fortalecimento de uma agenda neoconservadora que combate os direitos conquistados pelas mulheres e sua expressão no âmbito das políticas públicas.
Assistimos também ao aumento da violência de gênero, dos casos de feminicídio, das dificuldades de acesso ao aborto legal, da ausência de acolhimento e cuidado as demandas de aborto inseguro e de indicadores de infecções sexualmente transmissíveis e DST/AIDS. O Estado tem sido negligente com os casos de atenção às mulheres vítimas de violência sexual e estupro e também há indicadores altos no campo da saúde mental das mulheres.
Não há espaços de acolhimento e cuidado transversais para a saúde das mulheres negras, quilombolas, lésbicas, transgêneras colocando esses grupos em invisibilidade no acesso aos serviços e, em alguns casos, produzindo profundas violências institucionais. Compreendemos que esse processo está intimamente ligado à realidade social, econômica e política brasileira e o desfinanciamento das políticas de saúde pela Emenda Constitucional 95/2016, o que afeta de forma objetiva esse processo.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PAISM) emerge de uma compreensão plural de mulheres que abrange as raízes históricas do patriarcado, as desigualdades de gênero, raça/etnia e de classe e demais determinações sociais, históricas e econômicas que afetam a saúde e a vida das mulheres em suas múltiplas dimensões. Dessa forma, a PAISM deve dialogar de forma orgânica com outras políticas de saúde, como: a política de atenção básica, a política de saúde mental, a saúde da população negra, a saúde da população indígena, a saúde da população LGBTQIAP+, a participação e o controle social, dentre outras. Devemos pensar a articulação entre promoção, prevenção, cuidado e recuperação de forma integral, considerando a diversidade sexual, de raça/etnia e de classe no âmbito de uma política de saúde das mulheres. Do mesmo modo, a atenção à saúde das mulheres deve estar articulada com políticas de combate à pobreza e às desigualdades sociais.
O aborto no Brasil é permitido legalmente em três casos: estupro, risco de vida da gestante e anencefalia fetal. A PAISM aponta a importância do acolhimento e atenção integral à saúde em casos de aborto legal e a necessidade da descriminalização do aborto no Brasil, alinhada à defesa da autonomia do corpo das mulheres. A atual ofensiva neoconservadora tem impactado fortemente na atenção ao aborto no Brasil, com participação política de setores conservadores religiosos que incidem de forma frontal na laicidade do Estado.
Compreendemos que a Política de Saúde das Mulheres deve ser uma agenda transversal à atenção básica e especializada. É importante desenvolver uma atuação em rede que articule todos os níveis de atenção e também outras políticas sociais. Desenvolver um processo de educação permanente em saúde, orientado para a saúde das mulheres e fundamentado nos acúmulos do movimento feminista e do movimento da reforma sanitária brasileira. Outra dimensão importante é atuar de forma integrada com diversas políticas sociais de forma intersetorial, buscando agir nos determinantes sociais de saúde, rompendo com a racionalidade biológica binária de sexo, gênero e reprodução, direcionado em favor da defesa da autonomia dos corpos das mulheres.
Finalmente, compreendemos que é extremamente importante fortalecer a participação política das mulheres nos movimentos sociais e nos espaços do controle social através dos movimentos feministas, dos movimentos de mulheres, dos conselhos de direitos das mulheres e de conferências de políticas para as mulheres como espaço de avaliação e formulação das políticas de saúde para as mulheres.

PROPOSTAS :
– Ampliar o acesso à atenção à saúde das mulheres em todos os níveis do cuidado, ou seja, na atenção básica e especializada, de forma humanizada e integral, garantindo ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, e articuladas de modo intersetorial e interseccional com outras políticas sociais e nas diversas situações;
– Desenvolver medidas de qualificação profissional com os dispositivos de educação permanente em saúde orientados pelos acúmulos históricos do movimento feminista, do movimento da reforma sanitária e da política de atenção integral a saúde das mulheres com o objetivo de reorientar a formação dos trabalhadores de saúde para desenvolver um cuidado integral às mulheres na tentativa de promover ambiente acolhedor e sem julgamentos;
– Promover dispositivos de educação permanente em saúde para atendimento de mulheres vítimas de violências, criação de fluxos e garantir os protocolos para um acolhimento humanizado e efetivo, e com apoio psicossocial;
– Criar e fortalecer ações intersetoriais, com locais de abrigamento e redes de proteção à mulher em situação de violência;
– Garantir o direito de decisão das mulheres pelo aborto legal e seguro, respeitando o princípio de autodeterminação da mulher sobre seu próprio corpo com vistas à ampliação das situações previstas em lei com ações que visam a justiça reprodutiva;
– Garantir acesso, informação, cuidado e acompanhamento clínico, psicológico e social necessários para a prática do aborto nos casos previstos em lei;
– Garantir acolhimento e atendimento qualificado às mulheres com problemas de saúde ou complicações decorrentes de aborto;
– Garantir acolhimento humanizado e com qualificação profissional na gestação, parto e puerpério com atendimentos multiprofissionais tanto na atenção primária quanto nos serviços especializados;
– Garantir Licença maternidade de 180 dias, com possibilidade de compartilhamento com o/a companheiro/a e de ampliação deste tempo;
– Fortalecer o protagonismo da mulher, que tenha acesso à informações de qualidade, possibilitando-a fazer escolhas e exercer a maternidade consciente;
– Implementar políticas públicas para combater a violência obstétrica e a mortalidade materna, evitar cesarianas desnecessárias e estimular os partos normais, naturais e humanizados;
– Ampliar a inserção de enfermeiras obstétricas e obstetrizes nas maternidades, centros de parto normal e na atenção básica como uma das ferramentas de promoção do cuidado no período gravídico-puerperal, incluindo a assistência ao parto;
– Qualificar os médicos e enfermeiras de família, a fim de melhorar a atenção pré-natal e detectar precocemente situações que levam à gestação de alto risco;
– Regulamentar a inserção das doulas e parteiras tradicionais e outros autores no cenário obstétrico, garantindo a escolha da mulher;
– Incentivar a implantação da sala ou ambientes de apoio à amamentação em instituições públicas e particulares;
– Garantir orientações sobre planejamento reprodutivo com acesso aos métodos contraceptivos de escolha da mulher.
– Favorecer campanhas sobre assédio moral e sexual no trabalho e direito das mulheres trabalhadoras a fim de amenizar sofrimentos mentais e promover saúde;
– Desenvolver estratégias de educação em saúde nas escolas com abordagem multiprofissional, com ênfase em gênero, sexualidade, aborto, violência de gênero, educação sexual, direitos sexuais e reprodutivos;
– Promover ações de proteção à mulher trabalhadora informal e em situação de desemprego, com programas de transferência de renda e cursos de qualificação;
– Revogar a portaria GM/MS nº 715/2022, que institui a Rede de Atenção Materno-Infantil (RAMI) e seu pacote de retrocessos;
– Promover ações para proteção e promoção da saúde menstrual às pessoas em situação de vulnerabilidade social, pobreza e/ou de rua;
– Promover o controle social, através de Conferências de Saúde da Mulher e espaços correlatos nas Conferências de Saúde, de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e demais conferências, garantindo que haja paridade de gênero nas cadeiras dos conselhos de saúde;
Ampliar as estratégias de articulação do SUS com as lutas populares do movimento feminista, do movimento negro e do movimento LGBTQIAP+, buscando ampliar a apreensão das suas pautas na formulação de políticas de saúde;
– Desenvolver diagnósticos epidemiológicos participativos com universidade, centros formadores e de pesquisa, trabalhadores de saúde, movimentos sociais de saúde e comunitários com o objetivo de construir análises da situação de saúde da comunidade no âmbito da saúde das mulheres;
– Fortalecer na atenção primária e nos demais níveis de atenção, ações de prevenção, de proteção, de diagnóstico e de tratamento: dos cânceres, das doenças sexualmente transmissíveis, da gravidez precoce, do abuso sexual, das pessoas em perimenopausa e climatério;
– Orientar os serviços de saúde para a atenção integral das mulheres tanto com as suas multiplicidades para as mulheres brancas, quanto para as mulheres negras, as mulheres quilombolas, as mulheres do campo, as mulheres das florestas, as mulheres indígenas, as mulheres privadas de liberdade, as mulheres com deficiência, as mulheres em situação de rua, as mulheres trabalhadoras sexuais, as mulheres lésbicas, as mulheres transgêneras, os homens transgêneros, as pessoas com sistema genital feminino e todas as demais de forma integral.

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CONTRIBUIÇÃO ELEIÇÕES 2022: SAÚDE E AMBIENTE

Imagem do Núcleo Ecossocialista do PSOL de Bauru @ecossocialismo.bauru

O governo de extrema-direita de Bolsonaro é um dos pilares do ultraliberalismo e dos retrocessos democráticos, sociais e ecológicos. É inimigo das comunidades, dos povos tradicionais, da classe trabalhadora e de todos que convivem com a natureza de forma sustentável. As relações de produção social e de meio ambiente fundamentadas na determinação social da saúde reforçam a luta em defesa da natureza e da saúde como questões inseparáveis.
A defesa do meio ambiente e a luta pelo uso consequente dos nossos recursos são urgentes e devem ser organizadas desde as escalas locais até o nível internacional. A economia verde do capital e outras propostas nos marcos capitalistas, como o Green New Deal, não enfrentarão os problemas ecológicos e seus efeitos para a humanidade. O capitalismo não resolve os problemas por ele gerados, uma vez que, está sempre submetido à lógica da ampliação da exploração humana e da natureza para o seu irracional, incontrolável e destrutivo crescimento.
O coronavírus, assim como outras epidemias e novas doenças, é resultante da degradação ambiental produzida pelo capitalismo. Expressam a crise estrutural do capital, que faz convergir e agudiza, num mesmo período histórico, múltiplas crises que já se desenvolviam: a ecológica, a sanitária e a econômica. A emergência climática, a irreversibilidade da destruição da biodiversidade e a insegurança hídrica, associada à insegurança alimentar, são algumas das expressões da crise socioambiental.
A sede insaciável pelo lucro do agrohidronegócio, da mineração, do garimpo, dos madeireiros, dos grandes empreendimentos e da produção industrial é avassaladora. Apesar de todas as conferências e acordos internacionais na área ambiental, a devastação das condições de vida no planeta segue em curso. A alteração profunda do clima, a redução acelerada da biodiversidade, o desmatamento, o envenenamento do ar, da água e da terra, a sobrepesca, as monoculturas químico-dependentes de agrotóxicos e transgênicos, continuam a avançar trazendo inúmeros agravos à saúde. Resta pouco tempo para evitar transformações irreversíveis. A corrida dos capitalistas por lucros máximos a curto prazo continua a se impor sobre os interesses da vida.
Os povos indígenas, guardiões dos nossos bens comuns e naturais, foram atacados desde o início do governo. O governo Bolsonaro e seus aliados, por meio dos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, vem realizando a destruição e a flexibilização da legislação ambiental. Isso favorece o desmonte da fiscalização, a liberação indiscriminada de agrotóxicos – muitos banidos em várias partes do mundo -, o ataque aos territórios indígenas e o apoio aos garimpeiros e madeireiros. Incentiva crimes do agronegócio, como o desmatamento e os maiores incêndios da história da Amazônia e do Cerrado, dizimando milhões de seres animais e vegetais, avançando a fronteira do agronegócio sobre terras indígenas e quilombolas. Embora se some a políticas de governos anteriores, foi no governo Bolsonaro que se deram: os desastres de Brumadinho, o vazamento de óleo nas praias do Nordeste e todo o cinismo e morosidade nas ações de combate aos efeitos nefastos à população e ao meio ambiente.
A revogação das contrarreformas aprovadas a partir do golpe e aprofundadas pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro é fundamental, assim como enfrentar os limites estruturais impostos pelo capitalismo, com especial atenção às contradições da sua fase neoliberal. A destruição ambiental, agravada no período recente, exige uma resposta capaz de inverter o vetor do desmatamento. São medidas urgentes frente às crises ecológica e alimentar que se agravam: reflorestamento; recomposição dos biomas ameaçados, das bacias hidrográficas, dos mananciais e das matas ciliares; a proteção da biodiversidade e das espécies ameaçadas; o enfrentamento do agronegócio, com redução das áreas de pecuária e de monocultura, assim do uso de agrotóxicos.
Precisamos avançar no saneamento urbano, periurbano e rural, na agroecologia e nas reformas agrária e urbana, conformando um novo modelo produtivo que supere a matriz agroextrativista, que garanta uma transição energética, com descarbonização da economia, em uma política orientada para a superação dos combustíveis fósseis. Para isso é necessária uma verdadeira revolução nos transportes: eletrificação, universalização do transporte público e de massas combinado com locomoção ativa e tarifa zero.
Devemos nos inspirar nos movimentos indígenas e camponeses, que pregam a harmonia com a natureza e se referenciam em valores que colocam em xeque os paradigmas do desenvolvimentismo que priorizam a ampliação da acumulação capitalista e a concentração de renda. Lutemos por um projeto de país e de sociedade desenvolvido com ampla participação social e que atenda aos interesses da classe trabalhadora, não os do capital.
Defendemos que o Estado atue na proteção e garantias aos indígenas, quilombolas, povos tradicionais do campo e das águas e seus territórios, por meio do fortalecimento da FUNAI, do INCRA, do IBAMA e do Instituto Chico Mendes. Assim, terão condições de cumprir seu papel fiscalizador e contribuir para formulação de políticas públicas promotoras da saúde e da vida. Que seja assegurada a reestruturação e o financiamento da barreira sanitária indígena, criada no início da pandemia.
Defendemos a ampliação das campanhas de defesa da Amazônia, do Cerrado e demais biomas brasileiros e latino-americanos para barrar o modelo econômico vigente, predatório, neocolonial e exportador de commodities, aumentando também a articulação internacionalista com participação em conferências verdadeiramente populares como o Fórum Alternativo Mundial pela Água, “Cumbre de los Pueblos”, entre outras.
Saúde em todas as políticas! Todas as políticas setoriais devem ter como norte a promoção do bem viver e da saúde coletiva. Políticas públicas de transporte e mobilidade que enfrentem o desgaste da classe trabalhadora nos trajetos entre casa e trabalho e não contribuam para a poluição atmosférica. Políticas habitacionais devem garantir moradia digna e plenas condições de vida das famílias em seus territórios. Desse mesmo modo, creches, saneamento, energia, e qualquer outra política pública devem obedecer a critérios de saúde pública.

PROPOSTAS
– Implementar dispositivos que garantam a transversalidade da saúde ambiental nas diversas dimensões do sistema e dos serviços de saúde;
– Implementar políticas públicas de saúde promotoras de territórios sustentáveis e saudáveis;
– Construir estratégias de implementação e integração entre as reformas urbana, agrária e sanitária;
– Realizar o saneamento através de instituições públicas e estatais, garantindo também que sejam transparentes e contemplem o controle social. O saneamento ambiental deve integrar todos os componentes do saneamento básico, as políticas de recursos hídricos e as políticas de saúde;
– Garantir o direito humano à água potável de forma contínua e o esgotamento sanitário seguro, em especial nas periferias, favelas, ocupações, bairros populares, aldeias, quilombos, assentamentos, acampamentos e domicílios rurais;
– Realizar articulação intersetorial para mapear locais de moradia e territórios vulnerabilizados a desastres ambientais e climáticos, locais com grande atividade industrial com emissão de efluentes, no sentido de propor políticas de mitigação e/ou reparação, visando o combate ao racismo ambiental em suas diversas dimensões;
– Implementar políticas de gestão urbana e rural das águas de chuva para evitar os prejuízos e os impactos na saúde decorrentes de inundações;
– Promover políticas urbanas de gerenciamento de resíduos sólidos como estratégia para a organização do espaço urbano, em especial nas ocupações, nas periferias e nas favelas, incorporando iniciativas de geração e distribuição de renda;
– Fiscalizar os grandes empreendimentos e indústrias para controle da poluição atmosférica, hídrica, sonora e dos solos;
– Promover políticas de proteção da natureza, contra o desmatamento, a destruição da mata ciliar, das praias, dos sistemas lagunares e da biodiversidade;
– Promover ações de saúde dos animais, visando seu próprio bem-estar e a socialização com os humanos quando em ambientes urbanos e rurais, e a preservação da vida nos ambientes e ecossistemas terrestres, aquáticos e aéreos;
– Extinguir todo e qualquer processo de remoção urbana, de ocupações e assentamentos, que impactam de forma direta e inviabilizam as políticas de saúde pública de base territorializada, visando reforçar a importância da política de moradia e urbanização das periferias e favelas;
– Desenvolver políticas de arborização e de teto verde para habitações populares, buscando construir um ambiente saudável e equilibrado, sobretudo nas comunidades periféricas.
– Fomentar projetos intersetoriais de saúde, cultura, educação e ciência, a partir da interlocução com movimentos sociais para a resolução de problemas cotidianos dos territórios, buscando apoio nas universidades e demais instituições de pesquisa;
– Realizar pesquisas e estudos sobre solo, ar, água, doenças infecciosas e de metais pesados em áreas de grande incidência da mineração e onde já houve desastres ambientais, como também, fortalecer todas as medidas de vigilância em saúde;
– Construir e/ou fortalecer políticas intersetoriais de segurança alimentar e nutricional, articulando saúde, assistência social, educação, agricultura e meio ambiente, com intuito de promover estratégias de incentivo à produção agroecológica de alimentos, desenvolvimento sustentável das cidades, contribuindo para melhoria do ambiente, inclusão social, geração de renda e promoção da saúde;
– Fomento a políticas de agroecologia e agricultura urbana;
– Criar ou fortalecer políticas para redução do uso de agrotóxicos.

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